por favor, vá até o final dessa janela e veja a arte que a Mia fez em comemoração ao um ano de inacentuado (:

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Aumentando o peso da bagagem do seu cérebro

Tive que parar meus estudos para escrever um pouco aqui. Porque melhor que escrever por vontade é escrever por necessidade.

Aconteceu mais ou menos quando eu percebi que tinha um dia antes da prova para ler doze crônicas escritas por uma mulher da qual eu nunca ouvira falar e não nutria interesse algum.
Meu pai e seu pouco conhecimento sobre tudo - e muito conhecimento sobre muita coisa -, já tinha lido algo dela e me disse que não gostou.
Resultado: eu estava sem motivação nenhuma para ler aquilo por obrigação.

Mas eu comecei. E depois disso, algo raríssimo aconteceu.
Geralmente, quando você não começa algo bem, não tem como acabar bem. Me desculpem, mas é natural.
Mas quando eu digo que isso é uma exceção, por favor, acreditem.
Porque eu simplesmente fui me impressionando a cada crônica e linha que lia.
E, de repente, eu me peguei achando Rachel de Queiroz simplesmente genial só por ler um livrinho chamado Cenas Brasileiras.
Relativamente não importante.
Mas, bem, eu realmente gostei.

Eu poderia transcrever várias partes das quais eu gostei.
Mas eu decidi colocar uma crônica bem pequenininha aqui.
Que aliás, foi a da qual eu mais gostei.


Amor à primeira vista ( para o Leo)

Vê-lo e amá-lo foi obra de um minuto. Assim diz a modinha e assim é verdade. Meu Deus , eu já tinha ouvido falar nele. Já tinha mesmo apreciado o retrato . Contudo, não esperei que fosse assim . com aqueles olhos amendoados, o misterioso sorriso esquecido na boca e aquele abandono confiado de quem conhece muito bem a que braços se entrega, de quem só espera o bem, pois nem sabe que existe o mal.
O principal, como já falei, são os olhos.E depois a meiguice.E o beicinho que se encrespa quando faz manha;e como é cheiroso,senhor,cheiroso.Cheira a flor e a talco,mas cheira principalmente a fruta madura, talvez a maça no momento em que são escolhidas,talvez aquelas uvas que dão vinho rosado, doces e queimados do sol.
E sereno. Tranqüilo, natural e pacifico, ainda intocado pela pressa do mundo.
Ficou no meu colo bastante tempo, quase imóvel, agitando vagamente um braço ou uma perna, me fitando com aqueles olhos que são o seu encanto maior. Olhos tão inocentes e uqe trazem dentro se si, por isso mesmo, toda a sabedoria das coisas que nascem completas. Mas não erma olhos vagos de recém-nascido, eram olhos de quem já enxerga, de quem já assinala uma pessoa e, fitando-a, de certo modo toma posse dela e a incorpora ao seu mundo.
Houve um momento em que ele pôs a mãozinha no meu rosto e deixou-a estar assim vários minutos. Parecia fazê-lo intencionalmente, como para mostrar o seu poder, dizer “se eu quisesse, você era minha, bastava que eu fizesse mais força com a mão: pois não estou vendo que já está cativa, que tem os olhos cheios de água, que era capaz de ficar de joelhos olhando para mim o resto da vida?”. Por fim retirou a mão e sorriu – mas não sei para quem sorriu.
Ainda não é homem, ainda não é mesmo gente, mas também já não é mais anjo, já participa da condição humana, já chora , já sofre dor, já tem medo,já deseja as coisas, já possui criaturas e objetos, já tem preferências e antipatias. E pensar que naquele corpinho de flor, que cabe quase todo nas palmas das minhas mãos, está um homem em potência. Já está o ser inteiro ali, completo e indivisível, com o seu destino marcado, com a sua personalidade escolhida, tal qual está a árvore dentro da semente. Aquelas mãozinhas de miniatura vão ser de homem, destinadas ao trabalho, ao trato com as máquinas, com livros, com utensílios do seu labor de homem – quem sabe até com as armas de guerra, se mais tarde ainda houver guerras. E aqueles pés que nunca sentiram o contato do chão, que a seda mais fina poderia ferir , irão calcar a terra com força, e firmarem-se nela tomando posse do seu lugar ao sol, e percorrerão caminhos e escalarão montanhas. E aquela boca vai tomar o desenho que compete a uma boca viril e irá aprender todas as palavras, palavras de amor com que há de enganar as mulheres, e palavras ásperas de luta e negócios entre homens, e repetirá teoremas, e recitará versos, e falará línguas estranhas. E aquela cabecinha miúda irá abrigar pensamentos de homem, e conhecimentos, e verdades e talvez mentiras, se mentiras lhe ensinarem. E o pequeno coração que pulsa agora como um brinquedo engenhoso vai receber toda a carga comum ao nosso triste coração humano, e conhecerá o amor e a cólera, e, se Deus quiser, a alegria e a coragem, a felicidade de viver e o prazer do trabalho fecundo.
Agora é uma coisinha de amor, a que só amor tem direito. Mas deixai que se passem alguns anos, e a misteriosa coisinha que nos palpita nos braços, que cheira a fruta madura e nos rouba o coração sem saber o que faz, terá se virado num adulto e grave, um homem com todo o seu poder e todos os seus recursos de homem, senhor da sua vida, capaz de escolher entre o bem e o mal – que só o bem escolherá, naturalmente, benza-o Deus.


Rachel de Queiroz - [ Rio, janeiro de 1950]

-------

Então, espero que tenha gostado como eu.
Qualquer dia eu me inspiro e escrevo mais.

Um super beijo no seu cérebro da Danie.la.

Um comentário:

  1. Temos escritores maravilhosos! Aconteceu comigo, quando fui obrigada a ler São Bernado. No último capítulo chorei. Chorei muito, estava numa praça, era fim da primavera e, tinha um ipê rosa, todo florido na minha frente e naquele momento passou um casal do poder cinza e, eu imaginei a dor de Paulo Honório com a perda. Mas no começo do livro não gostei e hoje amo Graciliano.

    ResponderExcluir